DIREITOS HUMANOS: o poder público não dá condições para que crianças e adolescentes exerçam direitos, avalia Suzana Villarán de la Puente, o que faz com que se voltem para o crime MARÍLIA CAMELO

Notícia: Poder público banaliza privação de liberdade
Veiculo: Jornal Diário do Nordeste
Data: 11/05/2010

A Justiça juvenil é, atualmente, um dos principais desafios para o poder público no Brasil

O Estado do Ceará possui, proporcionalmente, mais jovens cumprindo medidas socioeducativas em centros de privação de liberdade do que em meio aberto – advertência, reparação de dano, prestação de serviços comunitários e liberdade assistida. Em 11 unidades, sete delas na Capital, são 1.082 adolescentes em centros educacionais ou de semiliberdade.

A informação foi apresentada pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), ontem, durante um debate sobre direitos da criança e do adolescente, realizado no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE). Atenta a tudo, estava a educadora Suzana Villarán de la Puente, representante do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), em visita ao Brasil para monitorar a aplicação da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, do qual o País é signatário há quase 20 anos.

Para Suzana, o dado indica que o Estado prioriza a adoção de uma medida extrema, que é a privação de liberdade, gerando uma superlotação dos centros. “Assim, pelo que percebi a partir dos relatos que ouvi aqui, há uma banalização da prática. Nesses locais, acabam sendo registradas diversas situações de violações aos direitos humanos, como falta de estrutura, tortura e mortes”, afirmou Suzana.

Além disso, acrescentou a especialista, a punição de qualquer delito com privação de liberdade faz com que jovens que cometeram infrações graves convivam com autores de atos leves. “Este fato, aliado a projetos pedagógicos deficientes, dificultam ainda mais a ressocialização”, disse.

Conforme a educadora, o aprimoramento da Justiça juvenil é um dos principais desafios a serem enfrentados pelo poder público na área da defesa da infância e da adolescência em todo o Brasil. “O direito que não é defendido se perde”, declarou. “Na maioria dos casos, os adolescentes são vistos como causadores da violência e não como vítimas, mas as estatísticas mostram o contrário”.

Suzana afirmou que, no Brasil, é costume investir mais na punição de atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes do que em esforços na prevenção desses delitos. “Aos jovens não é dada a oportunidade de exercer os seus direitos”, avaliou. “Com isso, eles acabam sendo levados a cometer crimes, muitas vezes incentivados pelos adultos”.

Conforme informações do Cedeca, desde dezembro do ano passado, observou-se um acirramento dos conflitos existentes nos centros educacionais, revelado por uma série de rebeliões. Como exemplo, foi citado o Centro Educacional Patativa do Assaré, onde a capacidade é para 60 jovens, mas há 225.

Ali, num intervalo menor do que uma semana (24 e 26 de fevereiro e 2 de março deste ano), a polícia foi chamada três vezes para conter conflitos dentro da unidade. Numa dessas ocasiões, um adolescente morreu e dois ficaram feridos.

A coordenadora da Associação Nacional dos Centros de defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Margarida Marques, declarou que a questão tem sido negligenciada pelo poder público. “Apesar da frequência com que os casos são noticiados, o assunto não é tratado como prioridade”, ressaltou. “Costuma-se dizer que as crianças são o futuro do Brasil, mas é preciso cuidar delas hoje”.

Situação

Um levantamento apresentado pelo Fórum Permanente das Organização Não-governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), que traçou o perfil do adolescente a que se atribui a prática de atos infracionais, no Brasil, mostrou que 90% são homens, 76% possuem idade entre 16 e 18 anos, 60% são negros, 44,3% dos atos são contra o patrimônio, 51% não frequentam a escola e 85,6% são usuários de drogas. A pesquisa revelou, ainda, que esses adolescentes correspondem a menos de 0,15% do total no País.

VIOLAÇÃO

“Com a banalização, são registradas situações de violação aos direitos, como a tortura”
Suzana Villarán de la Puente
Representante da ONU

CONVENÇÃO INTERNACIONAL
Brasil está em débito com a Organização das Nações Unidas

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CDC), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, é considerado o tratado internacional de direitos humanos mais ratificado da humanidade. Ele reconhece o direito da população infanto-juvenil de ser respeitada com base em princípios como a não-discriminação, a sobrevivência, o desenvolvimento e a participação.

Ao todo, 193 países assinaram a Convenção. O Brasil foi um dos primeiros países a se tornar signatário do documento, em 1990. Conforme a representante da Organização das Nações Unidas (ONU), Suzana Villarán, porém, o País está entre os 12 que, até hoje, entregaram apenas um relatório sobre a implementação do que determina a Convenção. A entrega desses relatórios deve acontecer a cada cinco anos, mas o Brasil entregou, até o momento, apenas um, o que aconteceu, em 2003, com 14 anos de atraso. Há outros três em aberto.

Em paralelo ao relatório dos governos, a sociedade civil pode apresentar um documento alternativo, que é enviado ao Comitê dos Direitos da Criança e comparado ao do poder público. Depois de receber o material de cada signatário, o comitê faz observações e recomendações. Os que não cumprem as determinações podem sofrer sanções que vão desde uma carta de repúdio à expulsão da ONU.

Suzana esclareceu que sua visita ao Brasil não teve a função de fiscalizar o cumprimento das determinações da convenção. “Não há como comparar o Brasil a outros países. São realidades diferentes, com problemas diferentes. Contudo, aqui a prevenção aos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes deve estar em primeiro lugar na agenda das autoridades e não as medidas punitivas”.

Para Suzana, o País possui um “grande Estatuto (da Criança e do Adolescente” e uma legislação das mais avançadas do mundo. “Só precisa fazer com que sejam cumpridas”.

Direitos

193 países, incluindo o Brasil, assinaram a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CDC), que foi aprovada em 1989

FILIPE PALÁCIO
REPÓRTER

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=783532

Reproduzida também em

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2181513/no-ceara-criancas-e-adolescentes-lotam-centros-de-privacao-de-liberdade

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