As organizações sociais EDUCAFRO Brasil e ANCED Brasil protocolaram em 15 de abril, na Justiça do Estado de São Paulo, uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Colégio Visconde de Porto Seguro por segregação racial e social.

De acordo com a denúncia, a centenária instituição de ensino realiza sistematicamente a segregação racial e social entre estudantes bolsistas e pagantes. Com mensalidades que chegam a quase R$ 5 mil reais, o Colégio Porto Seguro oferece bolsas de estudo para se beneficiar da política CEBAS Educação Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação – , disposta na Lei da Filantropia (LCP 187/2021). Por meio da medida, ao conceder bolsas de estudo, a unidade recebe isenções tributárias do governo federal em troca da oferta de cerca de 16% de suas vagas na forma de bolsas socioeconômicas.

O custo total dessa imunidade tributária se somados os períodos de 2019 a 2024 seria em torno de R$45,1 bilhões de reais em benefícios fiscais para cerca de 4 mil escolas e faculdades privadas em todo o país.

Mas, ao mesmo tempo em que lucra com a imunidade tributária por ofertar bolsas de estudos para pessoas economicamente vulneráveis, o Colégio Porto Seguro ignora o artigo 27 da Lei do CEBAS, que diz que: “é vedada qualquer discriminação ou diferença de tratamento entre alunos bolsistas e pagantes”. Na prática, as pessoas bolsistas das cinco unidades da instituição, que somam 17% do total de estudantes, vivem um verdadeiro “apartheid”, regime de separação racial ocorrido na África do Sul de 1948 a 1994, que privilegiava a elite branca.

As denúncias que motivam a ACP incluem:

“A conduta discriminatória perpetrada pelo Colégio viola a Constituição, a Lei da Filantropia, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da a igualdade Racial, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, o próprio regimento interno da Escola da Comunidade, e boa parte dos pactos e convenções internacionais sobre direitos humanos e combate ao racismo. Além de ilegal, é uma mensagem pública, cujo propósito é de separar a sociedade por critérios raciais e socioeconômicos. A comunidade brasileira é afetada a um só tempo por referido ato grave de racismo e violação a direitos humanos”, pontua Frei David OFM, Diretor Executivo da EDUCAFRO.

Pedro Pereira, coordenador da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED Brasil)   “ é extremamente grave que uma instituição de ensino tenha essa conduta de segregação, violando direitos de adolescentes e jovens, fazendo com que essas pessoas tenham experiências traumáticas cujo impacto emocional pode durar toda a vida. E mais: tudo isso se valendo da isenção de impostos, o que faz com que enriqueçam ainda mais passando por cima dos direitos de pessoas mais vulneráveis economicamente”.

 

“Neonazistas do Porto”

As denúncias citadas anteriormente vieram à tona após a visibilidade por meio da imprensa de um outro episódio de violência cometido por estudantes da unidade de Valinhos (SP). Em 30 de outubro de 2022, um adolescente negro de 15 anos, matriculado na unidade de Valinhos do Colégio Visconde de Porto Seguro, foi vítima de graves ofensas racistas ao criticar um grupo de WhatsApp que disseminava mensagens de cunho nazista, homofóbico, xenofóbico, racista e misógino. O grupo era formado por mais de 30 participantes, alunos da escola, que se autointitulam “neonazistas do Porto”.

O crime foi denunciado à Polícia Civil do Estado de São Paulo pela mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, que registrou Boletim de Ocorrência. Uma das mensagens recebidas pelo filho de Thaís foi: “espero que você morra FDPnegro”. Em outra mensagem a que Thais Cremasco teve acesso, depois da entrada de seu filho no grupo, um jovem falava sobre a escravização da população do Nordeste:

“A fundação dos pró reescravização do Nordeste”. Os integrantes do grupo ainda compartilhavam stickers vangloriando Adolf Hitler, além de mensagens como “não encontro um petista comemorando, acho que é porque eles não têm celular ainda” e “quero que os nordestinos morram de sede”.

 

“Quando ocorrem casos explícitos de racismo ou outros preconceitos o Porto Seguro prefere se eximir de culpa e tratar como um ‘caso isolado’, entretanto quando o projeto pedagógico da escola é pautado na segregação e na exclusão esses casos apenas escancaram a cultura racista cultivada pelo próprio colégio. Diversos estudos comprovam a importância das bolsas como instrumento não apenas da quebra do ciclo da pobreza, mas também como mecanismo de quebra dos estigmas e preconceitos. Para isso, é necessário que as bolsas sejam dadas em pé de igualdade com os pagantes, todos frequentando o mesmo ambiente, com os mesmos direitos”, afirma Gabriel Domingues, presidente da Ponteduca.

 

As autoras da Ação Civil Pública demandam ainda 28 obrigações ao Colégio Visconde de Porto Seguro, dentre elas:

 

  1. Inclusão de todos(as) os(as) alunos(as) bolsistas das escolas da empresa Ré proporcionalmente nas mesmas turmas dos alunos pagantes, em todas as unidades de ensino da empresa Ré, conforme diretrizes da Lei Complementar no 187/2021, aí incluídos o Currículo Bilíngue e o

Currículo Internacional;

  1. Criação de comissão especial, com participação dos alunos, pais, corpo docente, comunidade e entidades da sociedade civil, para verificação do cumprimento das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), particularmente no que diz respeito às COMPETÊNCIAS GERAIS números 8, 9 e 10;
  2. Vedação de toda forma de discriminação e de distinção, de símbolos institucionais que identifiquem alunos bolsistas dos alunos pagantes, incluindo-se uniformes;
  3. Oferecimento de atividades curriculares e extracurriculares idênticas para os alunos pagantes e alunos bolsistas, sempre com a mesma carga horária;
  4. Autorização, para alunos bolsistas e pagantes, de frequência a todos os ambientes escolares de acordo com as mesmas regras de tempo e de permanência, sem qualquer distinção ou discriminação;
  5. Inclusão, em todos os currículos, do ensino da disciplina “História e Cultura Afro-Brasileira”, conforme determina a Lei 10.639/2003;
  6. A criação de um programa de apoio ä saúde mental dos bolsistas, inclusive ex-bolsistas que já sofreram episódios de trauma no colégio, com profissionais especializados para o atendimento;

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